Deonísio da Silva
"As pessoas nascidas em setembro são dotadas de um caráter independente, devido talvez à influência patriótica exercida pelo grito do Ipiranga". Palavras do Barão de Itararé em seu famoso Almanhaque. Entre os aniversariantes deste mês está este escritor e "seu doce destino de escrever", como definiu um querido amigo.
Talvez este seja o ano que marque minha dedicação integral ao ofício. Adeus, sala de aula! Ou, ao menos, adeus, universidade pública! Tenho tempo de me aposentar desde 2001 e, sinceramente, aulas, palestras e pesquisas me deram sempre grande prazer, mas o que as envolve, não. Melhoraria muito a vida dos professores se estivéssemos desobrigados de fazer projetos para obter coisas que o almoxarifado das universidades costumava prover antigamente. Já vou mudar de assunto, mas antes me permitam dizer que Libra é o único signo do zodíaco superior ao dólar. Portanto, vós que sois de Libra, alegrai-vos! Falta apenas o detalhe de sermos remunerados de acordo com tão elevados desígnios.
Tenho paixão por almanaques. Os árabes denominavam almanakh o lugar onde os nômades mandavam ajoelhar os camelos. Enquanto homens e animais descansavam, os primeiros tratavam de trocar notícias, informações sobre o tempo, os caminhos, as safras, feitos de personagens famosos ou apenas curiosidades.
Os almanaques têm mantido a estrutura original daquelas antigas narrativas, como se pode constatar no Almanach Perdurável, do século XIV, e no Almanach Perpetuum, organizado em Leiria, Portugal, pelo astrônomo e historiador judeu Abraham Ben Samuel Zacuto. Sua obra foi consultada por célebres navegadores, entre os quais Cristóvão Colombo e Vasco da Gama.
No Brasil, tivemos o famoso Almanaque Biotônico Fontoura, de Monteiro Lobato, também conhecido como Almanaque do Jeca Tatu. Houve também o Jeca Tatuzinho. Falecido em 1948, aos 66 anos, o escritor levou consigo seu imortal personagem. E Jeca Tatu anda meio sumido. Aliás, seu sumiço coincide com a modernização da agricultura. Lobato fez várias previsões desconcertantes. Uma delas foi a internet, segundo a decifração de Janer Cristaldo, jornalista, escritor e doutor em letras pela Sorbonne, em artigo para a Revista Brasileira de Letras, da UFSCar.
Também o humorista Aparício Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé, falecido em 1971, aos 76 anos, fez seu almanaque, inovando, porém, a denominação e criando a palavra "almanhaque", nascida de seu jornal, A Manha.
Esses almanaques são todos muito conhecidos. Mas e O Almanach de Piumhy, fundado na vila de mesmo nome, em 1827, na então província de Minas Gerais? Tenho em mãos o número 2, do ano CLIX, "restaurado por José J. Veiga" (Rio, Editora Record). Ele adorava almanaques e suas curiosidades. A propósito o nome com que o escritor, natural de Goiás, passou a ser conhecido foi invenção de Guimarães Rosa. Dicionários e enciclopédias atestam que nosso querido Veiga, falecido em 1999, aos 84 anos -- mas que história é essa de tanta curiosidade com a vida eterna? -- chamava-se José Jacintho Pereira Veiga.
O Almanach de Veiga - ele preferia a grafia antiga - surgiu, segundo o autor, no ano "486o (quadragésimo octogésimo sexto para os que não sabem ler número ordinal) da Dívida Externa", "Ano Zero da Constituinte, ano do Plano Cruzado e do grande fiasco do cometa de Halley". Estávamos em 1986, portanto.
À p. 25, recorte do Time Magazine, de 25 de novembro de 1929, dando conta de que a norte-americana Helen Johnson, de Chicago, pediu divórcio, inconformada com a sovinice do marido Arthur, escocês, que a proibia de usar o aspirador de pó para não estragar os tapetes; acordava antes de o despertador tocar para desligá-lo e economizar o mecanismo; e que na noite de 4 de julho, na comemoração da independência dos EUA, para economizar os dólares dos foguetes, ele simplesmente saía correndo pela casa gritando bum! bum! bum!
É uma pena que esse Arthur já tenha morrido. Ia se dar muito bem na corte do ministro Antonio Pallocci Filho, nosso ministro da Fazenda, meu ex-vizinho. Prefiro lembrar que quando prefeito de Ribeirão Preto criou a maior feira de livros do interior do Brasil e o Instituto Municipal do Livro.
Deonísio da Silva é escritor e Doutor em Letras pela USP. Entre alguns de seus 30 livros já publicados também em outros países, estão os romances "Avante, Soldados: Para Trás" (Prêmio Internacional Casa De las Américas e apresentado por José Saramago), "Teresa" (premiado pela Biblioteca Nacional) e "Os Guerreiros do Campo". Seus livros mais recentes são De Onde Vêm as Palavras (Editora A Girafa, 14ª. edição) e Avante, Soldados: Para Trás (Editora A Girafa, 9ª. edição). Deonísio é também colunista da revista CARAS, do Observatório da Imprensa e do JORNAL DO BRASIL.
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